15.12.05

Caixa dois do bem

Este espaço foi criado para abrir espaços, multiplicar opiniões, aprofundar análises. Candido Mendes é presidente do Senior Board do Conselho Internacional de Ciências Sociais da UNESCO, seu texto vem do jornal O Globo de hoje. Faço questão de transcreve-lo na íntegra citando a fonte. Vale e muito a leitura.

A ida de Eduardo Azeredo à tribuna do Senado para renunciar à presidência do PSDB empatou o jogo da escalada das cassações. Aí está o jorro, democraticíssimo, do valerioduto, comprometendo todos os partidos no caixa 2, na prática universal da corrupção sistêmica, entre tucanos impolutos e petistas acima de qualquer suspeita. E aí está, pois, a proposta do líder Artur Virgílio, de levar-se adiante, como compete ao patriciado político do Brasil, a boa lógica dos “mais iguais”, a partir do país-bem. Vamos à lavagem da corrupção do bem — a que só pestifera o trigo e não o joio, e levemo-la à condescendência, senão ao perdão radical pelo Congresso, já hoje preso, sem retorno, à concupiscência dos acordões. Ingenuidade de Azeredo ou deslumbramento de Delúbio?
Teremos a sauna tépida do caixa 2, de vez, para contrapor as gordurinhas do crime à boa massagem da Comissão Ética, e ao esgueirarmo-nos, de vez, de todo perfil da cassação para os impolutos de princípio, não se fale mais nisto. Prosperou a proposta, como pede o “tudo bem”, um remate rápido do denuncismo, que não pode mais ter os grands finales , chegou às suas repetições à canastrice. E por mais que invista ainda a mídia nesta sideração, delineia-se um claro limite de credibilidade no manter suas manchetes e o desfrute da opinião pública.
Não há como confundir toda suposição de crime que envolva “mensalões” ou “caixa 2” com a suposição do fato que o gere e permita a ampla democracia do dissenso no julgá-lo. Até onde vão continuar a confusão deliberada destes supostos? E circularão, com o crédito inicial da verdade, declarações de juízes condenados como mentirosos jubilados, e a viver hoje na cadeia a sua afronta continuada à Justiça no comércio das sentenças. Da mesma forma, todos os caminhos da suspeita, trama e entretramas de denúncias passam todas pelas testemunhas — sempre de um mesmo morto, nos supostos recebimentos de dinheiro pelo PT.
Todas as encruzilhadas se repetem agora, levando a mesma voz emudecida há mais de ano, criando um nó górdio, para qualquer convicção efetiva do país cansado. O denuncismo não pode parar, já no clássico nível de um vício de opinião pública a que se abrem as veias e o pico do país que mantém a crença na fidelidade da fonte exatamente como garantia da informação como patrimônio público, como pede um país democrático. Só se a corrige com o avanço da consciência cidadã, que, por fora das manchetes, irradia-se da força das cartas dos leitores à imprensa, dos debates políticos, dos fóruns universitários, da densidade cívica dos chats da internet. No que já avançou o discurso da suspeição sobre a sua realidade, não pode o pior dos Congressos, de qualquer forma, deixar de reconhecer o quanto o script das CPIs de sempre fugiram ao seu script tradicional.
Identicamente, o Supremo Tribunal se vê diante de uma busca da normalização do sistema, mesmo assumindo os riscos de enfrentar a lei para responder à lógica profunda, até, da Democracia contra o Estado de direito. Ou seja, de que os poderes, e agora não só o Legislativo mas a Corte Suprema tende a fazer “o que o povo quer”. Não deixou, por exemplo, a cúpula do Judiciário, de expor-nos a uma mudança de regime, quando admitiu, por maioria de votos, a incriminação de José Dirceu, por acusações que o levariam ao julgamento pelo Legislativo, no exercício estrito e autônomo da sua tarefa de Ministro.
Como pensar-se daqui para diante, na independência do Executivo, se exercido por titulares que se possam ver cerceados, na sua conduta, por um ulterior veredicto de uma Comissão de Ética da Câmara? Esse tipo de julgamento é próprio do sistema parlamentar, quando a ação de governo se exerce por delegação do Legislativo. Mas não é esse o nosso sistema. É contra ele que se fez o plebiscito e só inquieta a idéia de que ministros e deputados continuem fora da Câmara, reféns do poder de que se apartaram.
O discurso da crise fez-se crise, e a tarefa de normalização vai nos levar à busca do eterno jeito — em levitação constitucional — no conciliar a vontade presumida da população à hora, e a democracia profunda, garantida pela Carta do dr. Ulysses. Mas, tanto Deus tem nacionalidade tanto hoje o país já vai adiante por fora da farândola dos poderes. O Brasil de fundo não se tocou pelo “mensalão”. Volta a crescer a popularidade de Lula e o denuncismo não saiu da classe média. E a salvação dos bons corruptos desimpede, ao mesmo tempo, pela oposição de sempre, o avanço do país do outro lado, e do a que veio o “Lula-lá”.

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